A 16ª edição do InShadow - Lisbon Screendance Festival está a propulsionar-se a todo o gás. Até 15 de Dezembro, o único festival de vídeo-dança da capital promete fazer mover a cidade com uma programação inovadora e que contempla vídeo-dança, documentário, animação, artes performativas e visuais.
Museu da Marioneta, Teatro do Bairro, Cinemateca Portuguesa, Galeria e Cisterna da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), hub multidisciplinar SAFRA e Casa do Comum são alguns dos espaços pelos quais esta iniciativa da Vo’Arte se estende, dando palco a um conjunto de propostas que colocam em evidência o “namoro constante entre o corpo e a imagem”, como diz Pedro Sena Nunes, Co-Director Artístico do Festival.
Este ano o InShadow assinala a sua 16ª edição. Qual o segredo para manter o festival vivo ao fim de 16 anos?
Num mundo tão complexo e, ao mesmo tempo, tão simples, chegar à 16ª edição é um momento de magia absoluta. É sobretudo um trabalho de resistência e resiliência. De animação, paixão e dedicação. É destes lugares que vem a ideia de continuidade.
Acreditamos que é na continuidade que tudo se afina. Portanto, um festival desta natureza, que requer múltiplos movimentos (e falo sobretudo das parcerias que nascem em torno de cada edição), é, acima de tudo, um esforço de melhoria - melhoria do processo de avaliação, dos valores que estão implementados, da exploração de novos caminhos. Sempre, claro, na aventura.
Chegar aos 16 anos foi fácil. Só imagino mais 40!
E quais são os maiores desafios que vêm com esta missão de organizar um evento com afluência internacional, na cidade de Lisboa?
O grande desafio prende-se com redescobrir, ano após ano, formas de preservar a nossa essência, a nossa razão de ser. Queremos que o InShadow continue a ser original, diferente. Que traga questionamento, pensamento e correlação de temas. Que continue a actrair públicos e artistas a lugares pouco convencionais. Se este fosse só mais um festival, a fazer o mesmo que muitos outros fazem, não faria sentido continuar a erguê-lo.
Portanto, o maior desafio é, de facto, assegurar a renovação da enorme vitalidade deste encontro entre artes performativas e artes visuais. Saber como continuar a dar palco à representação do corpo na imagem, seja ela fixa ou em movimento.
De que formas estas noções de corpo e imagem entram “em cena” no processo de curadoria do Festival?
Pensar o corpo é sempre pensá-lo na contemporaneidade, como algo que está em constante transformação. Este corpo contemporâneo, que também é humano, obviamente, ultrapassa a sua humanidade quando o pensamos como estando inserido em desafios de ordem tecnológica, desafios de representação, e isso está em consonância com o mundo da imagem. A sociedade contemporânea é uma vibração na imagem.
Para nós, esta relação entre corpo e imagem é um lugar de abrigo, sendo o InShadow o local onde a sombra é elogiada. Para haver sombra tem primeiro que haver luz, e é exatamente a esse ponto luminoso que pretendemos continuar a dar espaço. Queremos ser um projeto pontífice que ergue pontes de conexão entre corpo e imagem. Sendo que o corpo também é imagem e a imagem também é corpo, mostramos, a cada edição, de que formas estas duas noções entram em diálogo. É esta a génese do Festival.
Ao longo dos anos, que mudanças tem sentido nas submissões que são feitas pelos artistas?
Antes de criarmos o InShadow, dinamizámos uma mostra internacional que se intitulava Dança Sem Sombra. São, então, 20 anos a olhar para estes desafios. O que posso dizer é que, do ponto de vista criativo, tem-se sentido uma grande inovação na abordagem dos temas, e também, do ponto de vista narrativo, na concisão com que as mensagens são trabalhadas. O facto mais surpreendente, contudo, é que ambas as particularidades que acabei de enunciar estão absolutamente enraizadas no avanço da tecnologia. Graças a isto, as imagens e os sons são hoje garantidamente mais poderosos do ponto de vista da sua arquitectura, e essa arquitectura combina com uma maior qualidade.
Ao longo dos anos, tenho sentido, cada vez mais, um aumento exponencial na qualidade das propostas. Mesmo quando alguém decide usar uma câmara dos anos 80 para gravar um trabalho, o que se destaca, no fim, é a qualidade técnica, estética e narrativa do projecto.
Tocando na questão temática dos projetos, a tónica tem sido mais posta na poética, na componente social, na componente política das propostas?
Em termos temáticos, há um constante toque de atualidade. De ano para ano, assistimos sempre à abordagem de questões políticas, sociais, ou de ordem mais poética. À velocidade a que o Mundo rodopia, a cada ano há assuntos absolutamente gritantes e desafiadores para quem cria. Acredito que é esta a vantagem da arte: fazer as pessoas a pensar sobre aquilo que as rodeia.
É absolutamente incrível haver esta constante variedade temática, sendo que os assuntos retratados nas propostas só variam no sentido da atualidade. Se o tema político de há 10 anos era um, o tema dos dias de hoje será outro. Porém, a política continua a ser representada.
O que podemos esperar da edição deste ano? Há algum projecto que se tenha destacado durante o processo de selecção?
Há, normalmente, um grupo, país ou artista convidado que se destaca. Este ano é Marlene Miller, uma realizadora do Canadá com um trabalho absolutamente notável nas áreas que interessam ao Festival. Há muito que com ela mantemos uma relação, mesmo que à distância. Este ano, podemos finalmente contar com a sua presença no Festival, que será marcada por acções de sensibilização e formação. Apresentará também o seu próprio trabalho e fará parte do nosso Júri Oficial.
Outro destaque, é Sam Asaert - um fotógrafo e realizador belga com um trabalho também incrível. Parte do nosso Júri Oficial, terá uma presença muito semelhantes à da Millar: dinamizará formações e sensibilizações, mostrará o seu próprio trabalho e inaugurará uma exposição na Galeria da Faculdade de Belas Artes.
Sobressai ainda a vinda da companhia espanhola Baal ao Museu da Marioneta, com o espectáculo Viajantes do Espaço - um trabalho muito focado no LittleShadow, a secção do Festival dedicada aos mais pequenos. Queremos que o InShadow seja transgeracional e, por isso, criamos estes momentos para que as crianças possam também ficar inebriadas com mundo do movimento, das imagens e do corpo.
Podia listar muitas outras coisas, e isto levaria ao limite de dizer que tudo é muito relevante nesta edição! Não consigo, por exemplo, esconder o entusiasmo que sinto com a oportunidade de estrear a performance The Heroine’s Journey, de Anouk Froidevaux; ou SOPRO, da companhia CiM, que acabou de estrear em Atenas e estará presente no Festival, em espaços pouco comuns do cotidiano social, como estações de comboio.
Destaco ainda a força da Cinemateca Portuguesa e o seu apoio na dinamização de sessões especiais de revisitação àquilo que é a história do cinema e a relação direta que estabelece com a dança - este namoro constante entre o corpo e a imagem.
Na verdade, diria que esta edição é, em si mesma, um destaque. Todas as propostas são absolutamente extraordinárias e, de alguma forma, acabam por tocar-se, por dialogar entre si. O espectador ideal seria aquele que pudesse ver tudo e, dentro desta constelação de oportunidades e experiências artísticas, tecer a sua própria narrativa.